terça-feira, 17 de março de 2009

Direito ao aborto

Dizer que se é a favor do aborto no caso da menina de 9 anos do Recife, virou lugar comum. Dizer que se é contra a atitude do arcebispo do Recife e Olinda, ainda mais. Mas há muito o que se falar sobre o assunto. No entanto, contrariando o que geralmente faço, decidi postar um texto, o qual endosso, que fala por mim, cujo o título está no topo desta postagem.

"Embora contrário ao aborto, admito a sua descriminalização em certos casos, como o de estupro, e não apoio a postura do arcebispo de Olinda e Recife ao exigir de uma criança de 9 anos assumir uma gravidez indesejada sob grave risco à sua sobrevivência física (pois a psíquica está lesada) e ainda excomungar os que a ajudaram a interrompê-la.

Ao longo da história, a Igreja Católica nunca chegou a uma posição unânime e definitiva quanto ao aborto. Oscilou entre condená-lo radicalmente ou admiti-lo em certas fases da gravidez. Atrás dessa diferença de opiniões situa-se a discussão sobre qual o momento em que o feto pode ser considerado ser humano. Até hoje, nem a ciência nem a teologia tem a resposta exata. A questão permanece em aberto.

Santo Agostinho (sec. IV) admite que só a partir de 40 dias após a fecundação se pode falar em pessoa. Santo Tomás de Aquino (séc. XIII) reafirma não reconhecer como humano o embrião que ainda não completou 40 dias, quando então lhe é infundida a "alma racional". Esta posição virou doutrina oficial da Igreja a partir do Concílio de Trento (séc. XVI). Mas foi contestada por teólogos que, baseados na autoridade de Tertuliano (séc. III) e de santo Alberto Magno (séc. XIII), defendem a hominização imediata, ou seja, desde a fecundação trata-se de um ser humano em processo. Esta tese foi incorporada pela encíclica Apostolica Sedis (1869), na qual o papa Pio IX condena toda e qualquer interrupção voluntária da gravidez.

No século XX, introduz-se a discussão entre aborto direto e indireto. Roma passa a admitir o aborto indireto em caso de gravidez tubária ou câncer no útero. Mas não admite o aborto direto nem mesmo em caso de estupro.

Bernhard Haering, renomado moralista católico, admite o aborto quando se trata de preservar o útero para futuras gestações ou se o dano moral e psicológico causado pelo estupro impossibilita aceitar a gravidez. É o que a teologia moral denomina ignorância invencível. A Igreja não tem o direito de exigir de seus fiéis atitudes heróicas.

Roma é contra o aborto por considerá-lo supressão voluntária de uma vida humana. Princípio que nem sempre a Igreja aplicou com igual rigor a outras esferas, pois defende o direito de países adotarem a pena de morte, a legitimidade da "guerra justa" e a revolução popular em caso de tirania prolongada e inamovível por outros meios (Populorum Progresio).

Embora a Igreja defenda a sacralidade da vida do embrião em potência, a partir da fecundação, ela jamais comparou o aborto ao crime de infanticídio e nem prescreve rituais fúnebres ou batismo in extremis para os fetos abortados…

Para a genética, o feto é humano a partir da segmentação. Para a ginecologia-obstetrícia, desde a nidação. Para a neurofisiologia, só quando se forma o cérebro. E para a psicosociologia, quando há relacionamento personalizado. Em suma, carece a ciência de consenso quanto ao início da vida humana.

Partilho a opinião de que, desde a fecundação, já há vida com destino humano e, portanto, histórico. Sob a ótica cristã, a dignidade de um ser não deriva daquilo que ele é e sim do que pode vir a ser. Por isso, o cristianismo defende os direitos inalienáveis dos que se situam no último degrau da escala humana e social.

O debate sobre se o ser embrionário merece ou não reconhecimento de sua dignidade, não deve induzir ao moralismo intolerante, que ignora o drama de mulheres que optam pelo aborto por razões que não são de mero egoísmo ou conveniência social, como é o caso da menina do Recife.

Se os moralistas fossem sinceramente contra o aborto, lutariam para que não se tornasse necessário e todos pudessem nascer em condições sociais seguras. Ora, o mais cômodo é exigir que se mantenha a penalização do aborto. Mas como fica a penalização do latifúndio improdutivo e de tantas causas que, no Brasil, levam à morte, por ano, de cerca de 21 entre cada 1.000 crianças que ainda não completaram doze meses de vida?

"No plano dos princípios - declarou o bispo Duchène, então presidente da Comissão Espiscopal Francesa para a Família - lembro que todo aborto é a supressão de um ser humano. Não podemos esquecê-lo. Não quero, porém, substituir-me aos médicos que refletiram demoradamente no assunto em sua alma e consciência e que, confrontados com uma desgraça aparentemente sem remédio, tentam aliviá-la da melhor maneira, com o risco de se enganar" (La Croix, 31/3/79).

O caso do Recife exige uma profunda análise quanto aos direitos do embrião e da gestante, a severa punição de estupros e violência sexual no seio da família, e dos casos de pedofilia no interior da Igreja e, sobretudo, como prescrever medidas concretas que socialmente venham a tornar o aborto desnecessário."

Texto de Frei Beto, publicado no jornal Estado de Minas em 12/03/2009.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Mau gosto x Maus leitores

Lia com atenção uma postagem do blog "Sobre todas as coisas" que falava de um estudo científico que afirma que músicas ruins deixam as pessoas estúpidas. Ao final do texto a autora - que prefiro não citar ser minha esposa para manter um tom de impessoalidade - ainda cita outro estudo que diz que livros ruins deixam as pessoas estúpidas, no qual, para delírio dos amantes de boas obras literárias, cita como leitura obrigatória para os estupidos a série "Harry Potter".

Bem, devaneios à parte, depois de repensar sobre qual grupo faço parte, chego a conclusão de que não consigo mais definir o que é boa música no cenário musical atual. Tenho me encantado cada dia mais por cantores mortos, bandas desfeitas e músicas regravadas. Em síntese, tenho andado pra frente escutando para trás. Nada do cenário atual me agrada de fato. Talvez não seja questão de serem músicas boas ou ruins.

Meu senso crítico (e ácido) me indica que a questão transita por outras vielas. O que as músicas vieram perdendo ao longo dos anos, foi aquela dose necessária de sofisticação. E isso, tem a ver com nossa fraquíssima condição de leitores (dados já divulgados pela Unesco).

Música de letras fáceis e melodias repetitivas são melhores compreendidas pelos maus leitores.
Foi-se o tempo em que o "avesso do avesso do avesso do avesso" poderia ser compreendido por ouvintes que possuíam um mínimo grau de capacidade leitora. O público atual é simplesmente pobre, do ponto de vista interpretativo e - porque não dizer? - crítico. As músicas mais sofisticadas, com rimas que passam longe do óbvio e com mensagens em suas entrelinhas estão fadadas ao fracasso de venda e de público. Talvez por isso os poucos grandes nomes que ainda possuímos largaram os grandes estádios e se concentram em apertados teatros ou casas de espetáculos com capacidade de público restrita.

Lembrando que a arte, mais propriamente a música, é um produto a ser vendido, é de se esperar que os produtores invistam naqueles que darão o maior retorno financeiro: os que fazem a música que o público é capaz de assimilar. Compositores de gosto tão pobre quanto seus fãs. Nos comentários do blog citado, uma leitora deixou um comentário dizendo que na verdade existe uma identificação entre as músicas ruins e os estúpidos. Na verdade a identificação vai além: existe um planejamento para que esse casamento aconteça. Umberto Eco, num ensaio sobre literatura, dizia que o autor, ao escrever, prevê a existência de um "leitor modelo". Em outras palavras, ele cria a imagem de seu leitor e escreve de forma que sua mensagem seja bem entendida por aquele leitor. É isso que os produtores esperam dos seus artistas: uma pobreza capaz de ser compreendida por pessoas culturalmente falidas.

Mais grave que os autores que fazem o que o público deseja, são aqueles que o fazem e acreditam fazer arte. Mais grave ainda é a repercussão que recebem de programas de auditório que divulgam essa pobreza como se fosse de ouro. Uma pobreza dourada e recheada com os jabás pagos por grandes gravadoras.

Enfim, para tentar encerrar o assunto, o que temos não são músicas ruins de baixa qualidade. Temos músicas equivalentes à qualidade do público que as ouve. E nós, que nos vangloriamos de termos um bom gosto musical, precisamos nos concientizar que, continuando como está, nosso gosto, apesar de estar longe de ser pobre, estará completamente falido.

Viva os poetas mortos!

quinta-feira, 5 de março de 2009

Mais política (ou politicagem)


Porque será que me lembrei das palavras do deputado Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) sobre seu partido, quando vi as manobras das raposas Renan Calheiros (PMDB-AL) e José Sarney (PMDB-MA), para colocar Fernando Collor de Melo (PTB-AL) na presidência da Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado Federal ?

quarta-feira, 4 de março de 2009

Saindo um pouco da ficção




A notícia das últimas horas (dias para quem chegou aqui depois do dia 4) é a cassação do governador do Maranhão, Jackson Lago, do PDT. Jackson venceu as eleições para o governo daquele estado no último pleito. Contra ele, entretanto, caíam acusações de compra de votos e abuso de poder político. Algo que todos nós conhecemos muito bem. Ser cassado por essas acusações, isto sim, é algo novo nesse nosso Brasil que um dia entrará nos trilhos. Outros cinco governadores, de partidos diversos, estão na lista para serem julgados e, aberto o precedente, serem cassados. Fica a torcida de que os julgamentos ocorram antes de terminarem seus mandatos.
Os advogados do réu entrarão - ou entraram - com recursos nos Superior Tribunal Eleitoral e, caso o recurso não seja aceito, deverão entrar com outro recurso no Supremo, que, como faz geralmente, o devolverá ao STE. A manobra busca ganhar tempo, sabidos que são - os advogados - da morosidade de nosso sistema judiciário.
Quando for confirmada a cassação do governador e esgotarem todos os recursos, deverá assumir o governo daquele estado o candidado que ficou em segundo lugar no pleito no qual Jackson foi eleito. E é exatamente aí que uma pulga do tamanho de um elefante faz moradia atrás de minha orelha. Esse candidato, ou melhor, candidata, nada mais é que a senadora Roseana Sarney.
Se por um lado fica a torcida para que esse país tome jeito, por outro fica a estranha sensação de que nunca entrará nos tais trilhos. E que as famílias mandatárias de verdadeiros feudos, herdeiros do antigo coronelismo, jamais largarão esse osso.
Nos resta rezar!