terça-feira, 20 de abril de 2010

... ou o título que preferir

Caramba! Tudo que me agrada é velho. Se não é velho, não é popular. Se é popular, uso de forma diferente. Conheço um milhão de pessoas que pensam assim, mas elas não me agradam. Geralmente são pessoas novas, populares e agem de acordo com o que se espera delas. Um traço em comum que nos separa por qualquer tipo de representação de eternidade.

Escrevo esse texto por tempestade mental, não há projeto como geralmente é ou deveria ser. Não o pretendo corrigir, pois o sem sentido começa a fazer algum sentido para mim.

Meu pé coça. Sempre coçou! Sempre cocei! Provoco feridas críticas e criticadas. Não é jogo de palavras, é um fato irrefutável. Uma pomada me protege de mim.

Vivo com sono e não gosto de dormir. Acho um desperdício de vida dormir quando se poderia estar acordado fazendo não sei o quê. Talvez simplesmente nada.

Gosto de ouvir as pessoas falarem. Tenho mil histórias para contar e não as conto. E cada pessoa que ouço falar aumenta minha contagem. Ouvir você falar talvez aumente minhas histórias para mil e um. Mas não a contarei. É tão feio contar as histórias dos outros...

Não falo da minha história. Isto que lês não é minha história. É apenas um texto. Tenho mil e uma histórias para não falar. É tão chato repetir minha própria história...

FIM!

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Escritores do além

Via ontem um outdoor que falava do centenário de Chico Xavier. Na verdade apresentava uma das 472 obras psicografadas pelo médium. Desta não me virá à cabeça o nome, mas me recordo que era uma obra ditada, narrada ou seja lá como isso funcione, pelo espírito André Luiz - uma espécie de bestseller dentre os escritores do além. Volto a ele depois.

O que me assustou foi a quantidade de obras psicografadas pelo famoso médium. Um grande autor brasileiro, desses que ganham a vida publicando livros, quando muito, escrevem uns 20 ou 30 livros em toda sua vida. A título de exemplo, Machado de Assis, aquele, têm 47 obras publicadas. Destas 17 são póstumas, ou seja, talvez o autor jamais viesse a publica-las e, à revelia do desejo do escritor, acabaram saindo pela vontade da editora que detinha o direito. Consideremos o total. 47 nada mais é que 1/10 do que fez Chico Xavier com as letras entre uma sessão espírita - na qual atendia dezenas ou centenas de pessoas - e outra. Ao menos um Pulitzer já fazia por merecer graças ao volume.

Mas lembremos que ele nada mais é que uma espécie de word. Um transcritor de textos, cuja função nada mais é que materializar as palavras que são narradas por um ente espiritual. Ainda assim eu manteria o Pulitzer, já que penso que o tradutor é co-autor da obra.

Ainda carrego a pretensão de um dia escrever algo de fato relevante. Talvez uma meia-dúzia de livros. O que, obviamente, me acrescenta uma ponta de inveja de meus ídolos literários. Mas a inveja que sinto do "espírito André Luiz" vai além. Ou ao além.

Que maravilha seria poder escrever depois de morto! Aí sim, teria muita coisa relevante para falar, afinal já teria cumprido toda uma vivência que meus leitores estariam ainda por conhecer. Imaginem, meus caros, a gama de informações disponíveis na eternidade e que estariam à disposição de meus textos. Poderia escrever um livro de assombração, pela ótica do fantasma. Vêem?

Me resta torcer ou rezar para que me sobre algum talento até lá. E que exista aqui alguém com um bom coração e disposição para pôr no papel os tantos contos que estarei disposto a narrar por toda uma eternidade.

sábado, 10 de abril de 2010

Memória da Huestia

(Baseado em lendas asturianas)
Agustín Celis Sánchez, Espanha

Traduzido por Claudio Justo

Vovó nos contava velhas lendas da Santa Compaña e mamãe ria dela e de suas histórias. Papai lhe dizia que não nos assustasse com velhas superstições do povo, que iria transformar em homens medrosos e covardes a mim e a meus irmãos; e que tudo aquilo era mito de velhas desocupadas. Dizia também que o que alguns chamavam de a Huestia e outros A Compaña não existia e que, ainda que que a morte fosse chegar a todos um dia, não iria vir primeiro nos prevenir com sinos e tochas acesas e toda uma procissão de mortos acompanhando a Morte.

Vovó a chamava de Estádia e contava que ia envolta em um hábito negro e não tinha rosto, cheirava à umidade das sepulturas e mostrava sua presença somente a quem fosse levar – e só nesse instante. Porém algumas pessoas especialmente sensíveis poderiam percebê-la por uma brisa úmida que entrava no quarto do moribundo segundos antes de morrer. No entanto a Huestia era conhecida de muitos, inclusive vovó já a havia visto quando jovem, no dia em que morreu seu irmão Juan, e lhe falaram da procissão e até lhe contaram um segredo.

Eu já sei o que é a Huestia, e sei o lugar que cada um ocupa na comitiva; e sei também o lugar que eu ocupo. Conheço diariamente o trabalho de cada noite e onde vai a personagem que nos precede. Sei como ela é e seu cheiro, porque tenho andado ao seu lado muitas vezes cada vez que sirvo de aviso a cada um dos meus.

Vovó viveu tantos anos somente para que soubéssemos da Huestia e nunca duvidássemos de sua existência. Estava destinada a devolver a lembrança à nossa família que a tinha perdido há tanto tempo. Cada vez que havia algum luto por um familiar em nossa casa, vovó rememorava velhas histórias de aparições e sempre, sem exceção, dizia ter visto, na noite anterior, todo o coro dos seus antepassados velando nas redondezas pela alma do moribundo.

Quando vovó morreu ninguém falou da Huestia. E ainda que no ano seguinte a seguiu a tata Manen e depois o tio Luis, ninguém voltou a lembrar do segredo que ela nos contou tantas vezes e que deveria permanecer vivo na nossa família, e lembrado por todos para que algum dia se quebrasse a maldição que rege o destino de toda minha linhagem: que cada mulher da família deve penar o castigo de ver morrer ao menos um dos seus filhos, como lição por uma antiga ofensa de um antepassado muito soberbo.

Eu devia ter avisado aos meus país na noite antes de minha Primeira Comunhão, quando vi vovó no jardim da casa, com todos seus antepassados, velando por ninguém e, no entanto, chorando. Tive medo, então me calei para que ninguém pensasse que estava nervoso pela celebração do dia seguinte. Assim não disse nada do que tinha visto e ninguém pôde saber que minha morte estava destinada a servir de lembranças da velha maldição que ainda pesa sobre as mães de minha família.

Todo o povo celebrou aquele dia junto ao rio com um enorme pic-nic para festejar a Comunhão de todos os meninos. Tinha de tudo e quando ficamos satisfeitos nos metemos na água e começamos a fazer corridas de uma margem à outra para comprovar nossa resistência. Aconteceu na metade do caminho: meus pés esfriaram e fiquei sem forças e parado ali. Os braços não responderam e senti um frio estranho em todo o corpo. Fui afundando pouco a pouco e lá no fundo ela me esperava sem rosto, como sempre a tenho visto, e ainda assim tão acolhedora.

Encontraram-me três dias depois, inchado com uma bola e me enterraram no túmulo da família junto à vovó, a quem acompanho com minha tocha acesa todas as noites, já faz tantos anos, quando fazemos a ronda que avisa ao mundo que alguém vai morrer. Algumas vezes são os meus.

Soube que a filha de minha irmã está doente e que os médicos que a têm visto não sabem o que ela tem. Soube que sua doença não tem remédio. E soube também, por minha avó, que está escrito que nesta noite eu acompanharei a Estadía até o quarto da filha de minha irmã, onde ela a estará cuidando. E está escrito que minha irmã me verá e junto choraremos a perda, enquanto a morte arrebata sua filha na cama sem que ela possa ver. Após isso levarei a menina ao lugar onde todos esperamos.

Espero que minha irmã compreenda!

sexta-feira, 2 de abril de 2010

A última espera

Mario Lamo Jiménez – Colômbia

Traduzido por: Cláudio e Mary Justo - Brasil



Já se passaram dezessete horas que morri e nada. Não me enterram! Como é entediante a morte! Se ao menos pudesse fumar uma guimbazinha, não me importaria tanto em ter que esperar. Poderia ter passado para o outro lado com mais elegância, porém até a minha própria morte foi um fracasso. Ao atravessar a sétima, cravei meus olhos numa morena que passava rebolando, me distraí e fui atropelado pelo office-boy da drograria com sua bicicleta. Bati a cabeça contra o asfalto e caí como um frango congelado exibido numa vitrine. Os papéis do fórum ficaram espalhados pela rua e eu, com os olhos vidrados, babando.

Um cachorro que passava lambeu minhas feridas e a sirene da ambulância que, óbvio, chegou muito tarde o espantou. Chegando no hospital, já morto, no queriam me deixar entrar por não ter a carteira do seguro social: os curiosos, na rua, me roubaram o relógio e minha carteira. O relógio não fazia falta, porque nem para dar a hora servia. Já a carteira… era de pele de camelo e trazia lembranças de Elisa.

Na funerária testaram seis caixões, porém nenhum era do meu tamanho. Finalmente, para economizar dinheiro, minha mulher se decidiu por uma imitação de mógno, e como não me cabia nele, tiraram meus sapatos e dobraram meus pés. Agora serei enterrado com as meias rasgadas. Eu, que só ganhava noventa mil cruzeiros por mês. Minha mulher a princípio chorou, porém quando lhe disseram que o seguro pagava novecentos mil, a única coisa que disse foi: “então não aconteceu nada. É como se fosse morrer em dez meses…”.

Aqui estou na sala de minha casa esperando meu enterro. Encostada na parede está a coroa de flores barata que meus companheiros de trabalho mandaram. Somente Gil veio se despedir de mim. Devia a ele vinte mil e agora está consolando minha mulher.

Nunca gostei desta sala. As paredes estão cobertas de quadros descoloridos o os móveis estão velhos. Jamais imaginei que minha última espera se passaria precisamente neste lugar.

Quando Gil e minha mulher me deixaram sozinho, um rato me encarou pela tampa do caixão e quase me matou de susto. Nestes momentos me conformaria até com um café sem açúcar, como os que Elisa me preparava. Começa a fazer frio e sequer posso me despedir dela. Nos conhecemos faz três anos quando ela trabalhava no fórum fazendo sua tese. Era estudante de direito. Nos apaixonamos alí mesmo. Consuelo nunca soube de nada. Não valeria a pena lhe dizer. Ela era muito ciumenta e seu reino era a cozinha. Quem a vê agora… mosca morta! Tão próxima a Gil e nem sequer chora minha morte.

Esta noite eu estaria tomando cerveja e jogando como todos os domingos. No entanto tenho que passar todo o final de semana morto e esperando meu próprio enterro. Se pelo menos tivesse morrido numa segunda ou terça, não teria ido trabalhar e estaria me divertindo. É o cúmulo do azar: morrer no meu dia livre.

Agora o que me resta é esperar que, às onze da manhã, me coloquem num Cadillac preto e passeiem comigo por todos os cantos do bairro. O padre deve estar feliz: “finalmente esse ateu morreu”, dirá tampando o nariz quando eu entrar à igreja cheirando a morto. Estremeço com a idéia de ter que escutar uma missa. Será a mesma cerimônia de sempre, que me atormentava desde criança: o padre cantando com sua voz rouca, a igreja cheia de incenso e um pouco de velhas cheias de rugas chorando o morto às lágrimas. Sempre fui alérgico a incensos e já me vejo espirrando no meio da missa. Só de pensar que por isso cobram dois mil e quinhentos pesos… eu não pagaría nem um tostão por uma missa de enterro. Depois, quando acabar a missa, se ouvirão os sinos e me levarão ao buraco.

Quem sabe quem será meu vizinho no cemitério? Imagino que ninguém tem o direito de escolher. Deus me livre… porque se me acontece de ter uma vizinha faladora, terei que passar uma eternidade acordado escutando sua queixas e seus lamentos.

O que acontecerá quando chegarem os coveiros? Dobrarão os sinos pela última vez, me colocarão uma lápide e tudo ficará às escuras? Não quero nem pensar! Não sei por quê, mas nesses momentos preferiria estar como os todos os días: simplesmente arquivando papéis no escritório do fórum; ou jogando sinuca no ‘El Aventino’.

Uma noite é uma coisa muito longa quando se está morto! No entanto, faltam dezessete horas para me enterrem.