quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Um novo dia




Os tênis surrados, conforme indicaram os amigos, estavam separados num canto junto à cama, onde perto esperavam a bermuda e a camiseta, propositalmente separadas para aquela manhã. Era a forma que encontrara para vencer o desânimo de toda manhã. Nem bem despertava o dia e os pássaros, a rotina da casa já assumia seu papel de carrasca. Acordava com o cansaço prévio do porvir de todo dia. Ainda assim inventou de fazer uma caminhada no início do dia, incentivada pelas conversas das amigas que diziam que aquilo as tornavam mais animadas. Decidiu experimentar na primeira oportunidade. Com os filhos na colônia de férias do clube que frequentavam, bastava cuidar do café do marido e partir para a pista de cooper, alí perto, em uma avenida do bairro.

Tinha dúvidas e até certo receio. Talvez fosse apenas um equívoco das amigas. Además, sabendo da casa à espera para cuidar, talvez se sentiria mais cansada no final do dia. Eram pensamentos a serem evitados. Decidiu que, assim que se levantasse, já vestiria o traje de modo a não dar tempo de receber os cumprimentos da preguiça. Assim o fez, e partiu a preparar o café do marido, com a disposição e o aspecto de uma maratonista. Passou pelo corredor e arrumou o quadro diante dos olhares questionadores do homem. Ganhou a cozinha, apanhou a cafeteira no armário, filtro, pó… os pães novos, ele, que também despertara cedo, havia trazido da padaria. Tudo pronto beijou os lábios do esposo e partiu antes das obrigações chegarem à mente.

A tabelinha que sua privilegiada genética fazia com seus bons hábitos alimentares lhe garantiam desde sempre uma esbelta silhueta. Evidenciada pela justa bermuda e pela camiseta, não demorou para, na caminhada, despertar discretos e famintos olhares. Não dava bola, não estava ali para aquilo. Nem mesmo para manter a forma. Desejava apenas se certificar do que falavam as amigas e os médicos da TV. Decidiu caminhar por seis quilômetros na pista que tinha três no total. Uma ida e uma volta.

Havia muita gente, árvores, vento no rosto ondulando ainda mais os movimentos do cabelo negro, preso como um rabo de cavalo; e muitos insistentes olhares de admiradores e admiradoras desconhecidos. Sentiu um sorriso fugir-lhe aos lábios quando um rapaz jovem deixou escapar um suspiro ao se cruzarem. Seguiu seu caminho enquanto o moço voltava o pescoço em sua direção. Estava satisfeita com o objetivo conquistado e se convenceu que fazer aquilo todos os dias não seria difícil se comparado às atividades solitárias de todas as manhãs e tardes, em casa.

Chegou, foi ao quarto e despiu-se. Se mirou no espelho e certificou que o jovem tinha razão, ela realmente estava com um corpo bonito. Colocou os tênis no mesmo lugar de onde os tirou naquela manhã. Apanhou novas roupas, as dobrou e deixou ali perto, junto à cama para a manhã seguinte. Vestiu-se com as roupas de todos os dias e finalmente foi receber os cumprimentos matinais da preguiça e do cansaço que sempre lhe fizeram companhia nas manhãs e tardes.

Um comentário:

Mary Justo disse...

Nossa! Me senti na Andradas... kkkkkkkkkkkkk. Vc escreve muito bem sujetinho! Te amo! Beeeeeeeijos