quinta-feira, 12 de março de 2009

Mau gosto x Maus leitores

Lia com atenção uma postagem do blog "Sobre todas as coisas" que falava de um estudo científico que afirma que músicas ruins deixam as pessoas estúpidas. Ao final do texto a autora - que prefiro não citar ser minha esposa para manter um tom de impessoalidade - ainda cita outro estudo que diz que livros ruins deixam as pessoas estúpidas, no qual, para delírio dos amantes de boas obras literárias, cita como leitura obrigatória para os estupidos a série "Harry Potter".

Bem, devaneios à parte, depois de repensar sobre qual grupo faço parte, chego a conclusão de que não consigo mais definir o que é boa música no cenário musical atual. Tenho me encantado cada dia mais por cantores mortos, bandas desfeitas e músicas regravadas. Em síntese, tenho andado pra frente escutando para trás. Nada do cenário atual me agrada de fato. Talvez não seja questão de serem músicas boas ou ruins.

Meu senso crítico (e ácido) me indica que a questão transita por outras vielas. O que as músicas vieram perdendo ao longo dos anos, foi aquela dose necessária de sofisticação. E isso, tem a ver com nossa fraquíssima condição de leitores (dados já divulgados pela Unesco).

Música de letras fáceis e melodias repetitivas são melhores compreendidas pelos maus leitores.
Foi-se o tempo em que o "avesso do avesso do avesso do avesso" poderia ser compreendido por ouvintes que possuíam um mínimo grau de capacidade leitora. O público atual é simplesmente pobre, do ponto de vista interpretativo e - porque não dizer? - crítico. As músicas mais sofisticadas, com rimas que passam longe do óbvio e com mensagens em suas entrelinhas estão fadadas ao fracasso de venda e de público. Talvez por isso os poucos grandes nomes que ainda possuímos largaram os grandes estádios e se concentram em apertados teatros ou casas de espetáculos com capacidade de público restrita.

Lembrando que a arte, mais propriamente a música, é um produto a ser vendido, é de se esperar que os produtores invistam naqueles que darão o maior retorno financeiro: os que fazem a música que o público é capaz de assimilar. Compositores de gosto tão pobre quanto seus fãs. Nos comentários do blog citado, uma leitora deixou um comentário dizendo que na verdade existe uma identificação entre as músicas ruins e os estúpidos. Na verdade a identificação vai além: existe um planejamento para que esse casamento aconteça. Umberto Eco, num ensaio sobre literatura, dizia que o autor, ao escrever, prevê a existência de um "leitor modelo". Em outras palavras, ele cria a imagem de seu leitor e escreve de forma que sua mensagem seja bem entendida por aquele leitor. É isso que os produtores esperam dos seus artistas: uma pobreza capaz de ser compreendida por pessoas culturalmente falidas.

Mais grave que os autores que fazem o que o público deseja, são aqueles que o fazem e acreditam fazer arte. Mais grave ainda é a repercussão que recebem de programas de auditório que divulgam essa pobreza como se fosse de ouro. Uma pobreza dourada e recheada com os jabás pagos por grandes gravadoras.

Enfim, para tentar encerrar o assunto, o que temos não são músicas ruins de baixa qualidade. Temos músicas equivalentes à qualidade do público que as ouve. E nós, que nos vangloriamos de termos um bom gosto musical, precisamos nos concientizar que, continuando como está, nosso gosto, apesar de estar longe de ser pobre, estará completamente falido.

Viva os poetas mortos!

5 comentários:

Tiago Faller disse...

Ótimo post!

De fato, as músicas atuais estão ao nível de seus ouvintes. Sentimentos, situações e afins tratados de forma óbvia atingindo a massa despreocupada com cultura e arte de verdade.

Mas em alguns pontos tenho que discordar do que você argumentou. Nem todos os artistas/bandas atuais cairam nesse mar de mau senso. Não citarei para não parecer tiete ou "fan boy" querendo vender CD do ídolo, mas garanto que se pode encontrar conteúdo hoje em dia.

Abraços.

Líviarbítrio. disse...

Concordo com Tiago quando diz que existe música de conteúdo para os que ainda apreciam boa música. Eu, que sou fã incondicional de música, procuro o tempo todo novas composições e novos músicos, garanto que há muita coisa boa.

O que acontece, como você disse, é que há mercado para músicas comerciais. Artistas que se vendem.

Nossos poetas mortos, e novos poetas, faziam composições com a alma e para ela. Não se vendiam. Pois, boa música não é produto comercial.

Infelizmente, há de se concordar que a mídia influencia MUITO nos maus gostos e na popularização da má cultura.

Estou trabalhando, juntamente com um amigo, na composição de um trabalho sobre sedução musical. E é fato, boas músicas têm a capacidade de mudar uma pessoa, especialmente na musicoterapia. Proporcinalmente às más músicas que possibilitam uma diminuição na capacidade de aprendizado - para não chamar a "massa" de burra.

Falei demais. x)
Ótimo texto. Abraço.

Claudio Justo disse...

Talvez eu devesse ser mais claro, me desculpem. O que deveria ter dito, quando disse que não há nada que me agrade no cenário musical de hoje, é que não há nada que me agrade no cenário musical que compõe a grande mídia. Claro que existem bons músicos e bons compositores nas esquinas deste país. No entanto, como disse no texto, estão longe dos fortes holofotes da mídia. Obrigado pelas opiniões, que são de grande valor.

~*Rebeca*~ disse...

Na terra do oba oba, músicas ingênuas fazem a alegria do povo. Não li sobre o estudo, mas sou da opinião de que rotular as pessoas pelo o que elas ouvem ou vestem, dessa maneira pejorativa, é soar arrogante e ser estúpido da mesma forma. Acho que todo mundo tem o direito de ouvir e ler qualquer coisa, até mesmo pra saber se se encaixa no que é proposto. Minha individualidade respeita muito a individualidade dos outros. Música boa não foi feita pra ficar em mídia. Música boa a gente ouve e fica eternamente pra gente. Música pra mídia é feita pra durar o tempo que dura e só. Querer ouvir tanto uma quanto a outra vai de cada um. E lucra quem pode, ouve quem gosta e torce o nariz quem acha ruim.

Resumindo, o Brasil é tão fraco culturalmente que qualquer coisa tá valendo!

Esse assunto do seu post rende uma boa discussão.

Até.

Jota Cê

-

Mary Justo disse...

Também tenho andado pra frente escutando pra trás...