sexta-feira, 2 de abril de 2010

A última espera

Mario Lamo Jiménez – Colômbia

Traduzido por: Cláudio e Mary Justo - Brasil



Já se passaram dezessete horas que morri e nada. Não me enterram! Como é entediante a morte! Se ao menos pudesse fumar uma guimbazinha, não me importaria tanto em ter que esperar. Poderia ter passado para o outro lado com mais elegância, porém até a minha própria morte foi um fracasso. Ao atravessar a sétima, cravei meus olhos numa morena que passava rebolando, me distraí e fui atropelado pelo office-boy da drograria com sua bicicleta. Bati a cabeça contra o asfalto e caí como um frango congelado exibido numa vitrine. Os papéis do fórum ficaram espalhados pela rua e eu, com os olhos vidrados, babando.

Um cachorro que passava lambeu minhas feridas e a sirene da ambulância que, óbvio, chegou muito tarde o espantou. Chegando no hospital, já morto, no queriam me deixar entrar por não ter a carteira do seguro social: os curiosos, na rua, me roubaram o relógio e minha carteira. O relógio não fazia falta, porque nem para dar a hora servia. Já a carteira… era de pele de camelo e trazia lembranças de Elisa.

Na funerária testaram seis caixões, porém nenhum era do meu tamanho. Finalmente, para economizar dinheiro, minha mulher se decidiu por uma imitação de mógno, e como não me cabia nele, tiraram meus sapatos e dobraram meus pés. Agora serei enterrado com as meias rasgadas. Eu, que só ganhava noventa mil cruzeiros por mês. Minha mulher a princípio chorou, porém quando lhe disseram que o seguro pagava novecentos mil, a única coisa que disse foi: “então não aconteceu nada. É como se fosse morrer em dez meses…”.

Aqui estou na sala de minha casa esperando meu enterro. Encostada na parede está a coroa de flores barata que meus companheiros de trabalho mandaram. Somente Gil veio se despedir de mim. Devia a ele vinte mil e agora está consolando minha mulher.

Nunca gostei desta sala. As paredes estão cobertas de quadros descoloridos o os móveis estão velhos. Jamais imaginei que minha última espera se passaria precisamente neste lugar.

Quando Gil e minha mulher me deixaram sozinho, um rato me encarou pela tampa do caixão e quase me matou de susto. Nestes momentos me conformaria até com um café sem açúcar, como os que Elisa me preparava. Começa a fazer frio e sequer posso me despedir dela. Nos conhecemos faz três anos quando ela trabalhava no fórum fazendo sua tese. Era estudante de direito. Nos apaixonamos alí mesmo. Consuelo nunca soube de nada. Não valeria a pena lhe dizer. Ela era muito ciumenta e seu reino era a cozinha. Quem a vê agora… mosca morta! Tão próxima a Gil e nem sequer chora minha morte.

Esta noite eu estaria tomando cerveja e jogando como todos os domingos. No entanto tenho que passar todo o final de semana morto e esperando meu próprio enterro. Se pelo menos tivesse morrido numa segunda ou terça, não teria ido trabalhar e estaria me divertindo. É o cúmulo do azar: morrer no meu dia livre.

Agora o que me resta é esperar que, às onze da manhã, me coloquem num Cadillac preto e passeiem comigo por todos os cantos do bairro. O padre deve estar feliz: “finalmente esse ateu morreu”, dirá tampando o nariz quando eu entrar à igreja cheirando a morto. Estremeço com a idéia de ter que escutar uma missa. Será a mesma cerimônia de sempre, que me atormentava desde criança: o padre cantando com sua voz rouca, a igreja cheia de incenso e um pouco de velhas cheias de rugas chorando o morto às lágrimas. Sempre fui alérgico a incensos e já me vejo espirrando no meio da missa. Só de pensar que por isso cobram dois mil e quinhentos pesos… eu não pagaría nem um tostão por uma missa de enterro. Depois, quando acabar a missa, se ouvirão os sinos e me levarão ao buraco.

Quem sabe quem será meu vizinho no cemitério? Imagino que ninguém tem o direito de escolher. Deus me livre… porque se me acontece de ter uma vizinha faladora, terei que passar uma eternidade acordado escutando sua queixas e seus lamentos.

O que acontecerá quando chegarem os coveiros? Dobrarão os sinos pela última vez, me colocarão uma lápide e tudo ficará às escuras? Não quero nem pensar! Não sei por quê, mas nesses momentos preferiria estar como os todos os días: simplesmente arquivando papéis no escritório do fórum; ou jogando sinuca no ‘El Aventino’.

Uma noite é uma coisa muito longa quando se está morto! No entanto, faltam dezessete horas para me enterrem.

Um comentário:

Mary Justo disse...

Vc não sabe como eu te admiro... Beijos! Te amo!